RICARDO BALESTRERI
Treze reflexões
sobre
polícia e direitos humanos
Durante muitos anos
o tema “Direitos Humanos” foi considerado antagônico ao de Segurança Pública.
Produto do autoritarismo vigente no país entre 1964 e 1984 e da manipulação,
por ele, dos aparelhos policiais, esse velho paradigma maniqueísta cindiu
sociedade e polícia, como se a última
não fizesse parte da primeira.
Polícia, então, foi uma atividade caracterizada pelos segmentos
progressistas da sociedade, de forma equivocadamente conceitual, como
necessariamente afeta à repressão anti-democrática, à truculência, ao
conservadorismo. “Direitos Humanos” como militância, na outra ponta, passaram a
ser vistos como ideologicamente filiados à esquerda, durante toda a vigência da
Guerra Fria (estranhamente, nos países do “socialismo real”, eram vistos como
uma arma retórica e organizacional do capitalismo). No Brasil, em momento
posterior da história, à partir da rearticulação democrática, agregou-se a seus
ativistas a pecha de “defensores de bandidos” e da impunidade.
Evidentemente,
ambas visões estão fortemente equivocadas e prejudicadas pelo preconceito.
Estamos há mais de
um década construindo uma nova democracia e essa paralisia de paradigmas das
“partes” (uma vez que assim ainda são vistas e assim se consideram), representa
um forte impedimento à parceria para a edificação de uma sociedade mais
civilizada.
Aproximar a policia
das ONGs que atuam com Di-reitos Humanos, e vice-versa, é tarefa impostergável
para que possamos viver, a médio prazo, em uma nação que respire “cultura de
cidadania”. Para que isso ocorra, é necessário que nós, lideranças do campo dos
Direitos Humanos, desarmemos as “minas ideológicas” das quais nos cercamos, em
um primeiro momento, justificável , para nos defendermos da polícia, e que
agora nos impedem de aproximar-nos. O mesmo vale para a polícia.
Podemos aprender
muito uns com os outros, ao atuarmos como agentes defensores da mesma
democracia.
Nesse contexto, à
partir de quase uma década de parceria no campo da educação para os direitos
humanos junto à policiais e das coisas que vi e aprendi com a polícia, é que
gostaria de tecer as singelas treze considerações a seguir:
CIDADANIA, DIMENSÃO PRIMEIRA
1ª - O policial é,
antes de tudo um cidadão, e na cidadania deve nutrir sua razão de ser.
Irmana-se, assim, a todos os membros da
comunidade em direitos e deveres. Sua condição de cidadania é, portanto,
condição primeira, tornando-se bizarra qualquer reflexão fundada sobre suposta
dualidade ou antagonismo entre uma “sociedade civil” e outra “sociedade
policial”. Essa afirmação é plenamente válida mesmo quando se trata da Polícia
Militar, que é um serviço público realizado na perspectiva de uma sociedade única,
da qual todos os segmentos estatais são derivados. Portanto não há, igualmente,
uma “sociedade civil” e outra “sociedade militar”. A “lógica” da Guerra
Fria, aliada aos “anos de chumbo”, no
Brasil, é que se encarregou de solidificar esses equívocos, tentando
transformar a polícia, de um serviço à cidadania, em ferramenta para
enfrentamento do “inimigo interno”. Mesmo após o encerramento desses anos de
paranóia, seqüelas ideológicas persistem indevidamente, obstaculizando, em
algumas áreas, a elucidação da real função policial.
POLICIAL: CIDADÃO QUALIFICADO
2ª - O agente de Segurança Pública é, contudo, um cidadão qualificado:
emblematiza o Estado, em seu contato mais imediato com a população. Sendo a
autoridade mais comumente encontrada tem, portanto, a missão de ser uma espécie
de “porta voz” popular do conjunto de autoridades das diversas áreas do poder.
Além disso, porta a singular permissão para o uso da força e das armas, no
âmbito da lei, o que lhe confere natural e destacada autoridade para a
construção social ou para sua devastação. O impacto sobre a vida de indivíduos
e comunidades, exercido por esse cidadão qualificado é, pois, sempre um impacto
extremado e simbolicamente referencial para o bem ou para o mal-estar da
sociedade.
POLICIAL: PEDAGOGO DA CIDADANIA
3ª - Há, assim, uma
dimensão pedagógica no agir policial que, como em outras profissões de suporte
público, antecede as próprias especificidades
de sua especialidade.
Os paradigmas
contemporâneos na área da educação nos obrigam a repensar o agente educacional
de forma mais includente. No passado, esse papel estava reservado únicamente
aos pais, professores e especialistas em educação. Hoje é preciso incluir com
primazia no rol pedagógico também outras profissões irrecusavelmente formadoras
de opinião: médicos, advogados, jornalistas e policiais, por exemplo.
O policial, assim,
à luz desses paradigmas educacionais mais abrangentes, é um pleno e legitimo
educador. Essa dimensão é inabdicável e reveste de profunda nobreza a função
policial, quando conscientemente explicitada através de comportamentos e
atitudes.
A IMPORTÂNCIA DA
AUTO-ESTIMA
PESSOAL E
INSTITUCIONAL
4ª - O
reconhecimento dessa “dimensão pedagógi-ca” é, seguramente, o caminho mais
rápido e eficaz para a reconquista da abalada auto-estima policial. Note-se que
os vínculos de respeito e solidariedade só podem constituir-se sobre uma boa
base de auto-estima. A experiência primária do “querer-se bem” é fundamental
para possibilitar o conhecimento de como chegar a “querer bem o outro”. Não
podemos viver para fora o que não vivemos para dentro.
Em nível pessoal, é
fundamental que o cidadão policial sinta-se motivado e orgulhoso de sua
profissão. Isso só é alcançável à partir de um patamar de “sentido
existen-cial”. Se a função policial for esvaziada desse sentido, transformando
o homem e a mulher que a exercem em meros cumpridores de ordens sem um
significado pessoalmente assumido como ideário, o resultado será uma auto-imagem
denegrida e uma baixa auto-estima.
Resgatar, pois, o
pedagogo que há em cada policial, é permitir a ressignificação da importância
social da polícia, com a conseqüente consciência da nobreza e da dignidade
dessa missão.
A elevação dos
padrões de auto-estima pode ser o caminho mais seguro para uma boa prestação de
serviços.
Só respeita o outro
aquele que se dá respeito a si mesmo.
POLÍCIA E ‘SUPEREGO’ SOCIAL
5ª - Essa “dimensão
pedagógica”, evidentemente, não se confunde com “dimensão demagógica” e,
portanto, não exime a polícia de sua função técnica de intervir preventivamente
no cotidiano e repressivamente em momentos de crise, uma vez que democracia
nenhuma se sustenta sem a contenção do crime, sempre fundado sobre uma
moralidade mal constituída e hedonista,
resultante de uma com-plexidade causal que vai do social ao psicológico.
Assim como nas
famílias é preciso, em “ocasiões extremas”, que o adulto sustente, sem vacilar,
limites que possam balizar moralmente a conduta de crianças e jovens, também em
nível macro é necessário que alguma instituição se encarregue da contenção da
sociopatia.
A polícia é,
portanto, uma espécie de superego social indispensável em culturas urbanas,
complexas e de interesses conflitantes, contenedora do óbvio caos a que
estaríamos expostos na absurda hipótese de sua inexistência. Possivelmente por
isso não se conheça nenhuma sociedade contemporânea que não tenha assentamento,
entre outros, no poder da polícia. Zelar, pois, diligentemente, pela segurança
pública, pelo direito do cidadão de ir e vir, de não ser molestado, de não ser
saqueado, de ter respeitada sua integridade física e moral, é dever da polícia,
um compromisso com o rol mais básico dos direitos humanos que devem ser
garantidos à imensa maioria de cidadãos hones-tos e trabalhadores.
Para isso é que a
polícia recebe desses mesmos cidadãos a unção para o uso da força, quando
necessário.
RIGOR versus
VIOLÊNCIA
6ª - O uso legítimo
da força não se confunde, contudo, com truculência.
A fronteira entre a força e a violência é
delimi-tada, no campo formal, pela lei, no campo racional pela necessidade
técnica e, no campo moral, pelo antagonismo que deve reger a metodologia de
policiais e criminosos.
POLICIAL versus CRIMINOSO:
METODOLOGIAS ANTAGÔNICAS
7ª - Dessa forma,
mesmo ao reprimir, o policial oferece uma visualização pedagógica, ao
antagonizar-se aos procedimentos do crime.
Em termos de
inconsciente coletivo, o policial exerce função educativa arquetípica: deve ser
“o mocinho”, com procedimentos e atitudes coerentes com a “firmeza moralmente
reta”, oposta radicalmente aos desvios perversos do outro arquétipo que se lhe
contrapõe: o bandido.
Ao olhar para uns e
outros, é preciso que a sociedade perceba claramente as diferenças
metodológicas ou a “confusão arquetípica” intensificará sua crise de
moralidade, incrementando a ciranda da violência. Isso significa que a
violência policial é geradora de mais violência da qual, mui comumente, o
próprio policial torna-se a vítima.
Ao policial,
portanto, não cabe ser cruel com os cruéis, vingativo contra os anti-sociais,
hediondo com os hediondos. Apenas estaria com isso, liberando, licenciando a
sociedade para fazer o mesmo, à partir de seu patamar de visibilidade moral.
Não se ensina a respeitar desrespeitando, não se pode educar para preservar a
vida matando, não importa quem seja. O policial jamais pode esquecer que também
o observa o inconsciente coletivo.
A ‘VISIBILIDADE MORAL’ DA POLÍCIA: IMPORTÂNCIA DO
EXEMPLO
8ª - Essa dimensão
“testemunhal”, exemplar, peda-gógica, que o policial carrega irrecusavelmente
é, possivel-mente, mais marcante na vida da população do que a pró-pria
intervenção do educador por ofício, o professor.
Esse fenômeno
ocorre devido à gravidade do mo-mento em que normalmente o policial encontra o
cidadão. À polícia recorre-se, como regra, em horas de fragilidade emocional,
que deixam os indivíduos ou a comunidade fortemente “abertos” ao impacto
psicológico e moral da ação realizada.
Por essa razão é
que uma intervenção incorreta funda marcas traumáticas por anos ou até pela
vida inteira, assim como a ação do “bom policial” será sempre lembrada com
satisfação e conforto.
Curiosamente, um
significativo número de policiais não consegue perceber com clareza a enorme
importância que têm para a sociedade, talvez por não haverem refletido
suficientemente a respeito dessa peculiaridade do impacto emocional do seu agir
sobre a clientela. Justamente aí reside a maior força pedagógica da polícia, a
grande chave para a redescoberta de seu valor e o resgate de sua auto-estima.
É essa mesma
“visibilidade moral” da polícia o mais forte argumento para convencê-la de sua
“responsabilidade paternal” (ainda que não paternalista) sobre a comunidade.
Zelar pela ordem pública é, assim, acima de tudo, dar exemplo de conduta
fortemente baseada em princípios. Não há exceção quando tratamos de princípios,
mesmo quando está em questão a prisão, guarda e condução de malfeitores. Se o
policial é capaz de transigir nos seus princípios de civilidade, quando no
contato com os sociopatas, abona a violência, contamina-se com o que nega,
conspurca a normalidade, confunde o imaginário popular e rebaixa-se à igualdade
de procedimentos com aqueles que combate.
Note-se que a
perspectiva, aqui, não é refletir do ponto de vista da “defesa do bandido”, mas
da defesa da dignidade do policial.
A violência
desequilibra e desumaniza o sujeito, não importa com que fins seja cometida, e
não restringe-se a áreas isoladas, mas, fatalmente, acaba por dominar-lhe toda
a conduta. O violento se dá uma perigosa permissão de exercício de pulsões
negativas, que vazam gravemente sua censura moral e que, inevitavelmente, vão
alastrando-se em todas as direções de sua vida, de maneira incontrolável.
“ÉTICA” CORPORATIVA versus ÉTICA CIDADÃ
9ª - Essa
consciência da auto-importância obriga o policial a abdicar de qualquer lógica
corporativista.
Ter identidade com
a polícia, amar a corporação da qual participa, coisas essas desejáveis, não se
podem confundir, em momento algum, com acobertar práticas abomináveis. Ao
contrário, a verdadeira identidade policial exige do sujeito um permanente zelo
pela “limpeza” da instituição da qual participa.
Um verdadeiro
policial, ciente de seu valor social, será o primeiro interessado no “expurgo”
dos maus profissionais, dos corruptos, dos torturadores, dos psicopatas. Sabe
que o lugar deles não é polícia, pois, além do dano social que causam,
prejudicam o equilíbrio psicológico de todo o conjunto da corporação e inundam
os meios de co-municação social com um marketing que denigre o esforço heróico
de todos aqueles outros que cumprem corretamente sua espinhosa missão. Por esse
motivo, não está disposto a conceder-lhes qualquer tipo de espaço.
Aqui, se antagoniza
a “ética da corporação” (que na verdade é a negação de qualquer possibilidade
ética) com a ética da cidadania (aquela voltada à missão da polícia junto a seu
cliente, o cidadão).
O acobertamento de
práticas espúrias demonstra, ao contrário do que muitas vezes parece, o mais
absoluto desprezo pelas instituições policiais. Quem acoberta o espúrio permite
que ele enxovalhe a imagem do conjunto da instituição e mostra, dessa forma,
não ter qualquer respeito pelo ambiente do qual faz parte.
CRITÉRIOS DE
SELEÇÃO,
PERMANÊNCIA E
ACOMPANHAMENTO
10ª - Essa
preocupação deve crescer à medida em que tenhamos clara a preferência da
psicopatia pelas profissões de poder. Política profissional, Forças Armadas,
Comunicação Social, Direito, Medicina, Magistério e Polícia são algumas das
profissões de encantada predileção para os psicopatas, sempre em busca do
exercício livre e sem culpas de seu poder sobre outrem.
Profissões
magníficas, de grande amplitude social, que agregam heróis e mesmo santos, são
as mesmas que atraem a escória, pelo alcance que têm, pelo poder que
representam.
A permissão para o
uso da força, das armas, do direito a decidir sobre a vida e a morte, exercem
irresistível atração à perversidade, ao delírio onipotente, à loucura
articulada.
Os processos de
seleção de policiais devem tornar-se cada vez mais rígidos no bloqueio à
entrada desse tipo de gente. Igualmente, é nefasta a falta de um maior
acompanhamento psicológico aos policiais já na ativa.
A polícia é chamada
a cuidar dos piores dramas da população e nisso reside um componente
desequilibrador. Quem cuida da polícia?
Os governos, de
maneira geral, estruturam pobremente os serviços de atendimento psicológico aos
policiais e aproveitam muito mal os policiais diplomados nas áreas de saúde
mental.
Evidentemente, se
os critérios de seleção e permanência devem tornar-se cada vez mais exigentes,
espera-se que o Estado cuide também de retribuir com salários cada vez mais
dignos.
De qualquer forma,
o zelo pelo respeito e a decência dos quadros policiais não cabe apenas ao
Estado mas aos próprios policiais, os maiores interessados em participarem de
instituições livres de vícios, valorizadas socialmente e detentoras de
credibilidade histórica.
DIREITOS HUMANOS
DOS POLICIAIS —HUMILHAÇÃO versus
HIERARQUIA
11ª - O equilíbrio
psicológico, tão indispensável na ação da polícia, passa também pela saúde
emocional da própria instituição. Mesmo que isso não se justifique, sabe-mos
que policiais maltratados internamente tendem a descontar sua agressividade
sobre o cidadão.
Evidentemente,
polícia não funciona sem hierarquia. Há, contudo, clara distinção entre
hierarquia e humilhação, entre ordem e perversidade.
Em muitas academias
de polícia (é claro que não em todas) os policiais parecem ainda ser
“adestrados” para alguma suposta “guerra de guerrilhas”, sendo submetidos a
toda ordem de maus-tratos (beber sangue no pescoço da galinha, ficar em pé
sobre formigueiro, ser “afogado” na lama por superior hierárquico, comer fezes,
são só alguns dos recentes exemplos
que tenho colecionado à partir da narrativa de amigos policiais, em diversas
partes do Brasil).
Por uma
contaminação da ideologia militar (diga-se de passagem, presente não apenas nas
PMs mas também em muitas polícias civis), os futuros policiais são, muitas
vezes, submetidos a violento estresse psicológico, a fim de atiçar-lhes a raiva
contra o “inimigo” (será, nesse caso, o cidadão?).
Essa permissividade
na violação interna dos Direitos Humanos dos policiais pode dar guarida à ação
de personalidades sádicas e depravadas, que usam sua autoridade superior como
cobertura para o exercício de suas doenças.
Além disso, como os
policiais não vão lutar na extinta guerra do Vietnã, mas atuar nas ruas das
cidades, esse tipo de “formação” (deformadora) representa uma perda de tempo,
geradora apenas de brutalidade, atraso técnico e incompetência.
A verdadeira
hierarquia só pode ser exercida com base na lei e na lógica, longe, portanto,
do personalismo e do autoritarismo doentios.
O respeito aos superiores não pode ser imposto
na base da humilhação e do medo. Não pode haver respeito unilateral, como não
pode haver respeito sem admiração. Não podemos respeitar aqueles a quem
odiamos.
A hierarquia é
fundamental para o bom funciona-mento da polícia, mas ela só pode ser
verdadeiramente al-cançada através do exercício da liderança dos superiores, o
que pressupõe práticas bilaterais de respeito, competência e seguimento de
regras lógicas e suprapessoais.
DIREITOS HUMANOS
DOS POLICIAIS —HUMILHAÇÃO versus
HIERARQUIA
12ª - No extremo
oposto, a debilidade hierárquica é também um mal. Pode passar uma imagem de
descaso e desordem no serviço público, além de enredar na malha confusa da
burocracia toda a prática policial.
A falta de uma Lei
Orgânica Nacional para a polícia civil, por exemplo, pode propiciar um desvio
fragmentador dessa instituição, amparando uma tendência de definição de
conduta, em alguns casos, pela mera junção, em “colcha de retalhos”, do
conjunto das práticas de suas delegacias.
Enquanto um melhor
direcionamento não ocorre em plano nacional, é fundamental que os estados e
instituições da polícia civil direcionem
estrategicamente o processo de maneira a unificar sob regras claras a conduta
do conjunto de seus agentes, transcendendo a mera predisposição dos delegados
localmente responsáveis (e superando, assim, a “ordem” fragmentada, baseada na
personificação). Além do conjunto da sociedade, a própria polícia civil será
altamente beneficiada, uma vez que regras objetivas para todos (incluídas aí as
condutas internas) só podem dar maior segurança e credibilidade aos que
precisam executar tão importante e ao mesmo tempo tão intrincado e difícil
trabalho.
A FORMAÇÃO DOS POLICIAIS
13ª - A superação
desses desvios poderia dar-se, ao menos em parte, pelo estabelecimento de um
“núcleo comum”, de conteúdos e metodologias na formação de ambas as polícias,
que privilegiasse a formação do juízo moral, as ciências humanísticas e a
tecnologia como contraponto de eficácia à incompetência da força bruta.
Aqui, deve-se ressaltar
a importância das academias de Polícia Civil, das escolas formativas de
oficiais e soldados e dos institutos superiores de ensino e pesquisa, como
bases para a construção da Polícia Cidadã, seja através de suas intervenções
junto aos policiais ingressantes, seja na qualificação daqueles que se
encontram há mais tempo na ativa. Um bom currículo e professores habilitados
não apenas nos conhecimentos técnicos, mas igualmente nas artes didáticas e no
relacionamento interpessoal, são fundamentais para a geração de policiais que
atuem com base na lei e na ordem hierárquica, mas também na autonomia moral e
intelectual. Do policial contem-porâneo, mesmo o de mais simples escalão, se
exigirá, cada vez mais, discernimento de valores éticos e condução rápi-da de
processos de raciocínio na tomada de decisões.
CONCLUSÃO
A polícia, como
instituição de serviço à cidadania em uma de suas demandas mais básicas —
Segurança Pública — tem tudo para ser altamente respeitada e valorizada.
Para tanto, precisa
resgatar a consciência da importância de seu papel social e, por conseguinte, a
auto-estima.
Esse caminho passa
pela superação das seqüelas deixadas pelo período ditatorial: velhos ranços
psicopáticos, às vezes ainda abancados no poder, contaminação anacrônica pela
ideologia militar da Guerra Fria, crença de que a competência se alcança pela
truculência e não pela técnica, maus-tratos internos a policiais de escalões
inferiores, corporativismo no acobertamento de práticas incompatíveis com a
nobreza da missão policial.
O processo de
modernização democrática já está instaurado e conta com a parceria de
organizações como a Anistia Internacional (que, dentro e fora do Brasil, aliás,
mantém um notável quadro de policiais a ela filiados).
Dessa forma, o
velho paradigma antagonista da Segurança Pública e dos Direitos Humanos precisa
ser subs-tituído por um novo, que exige desacomodação de ambos os campos:
“Segurança Pública com Direitos Humanos”.
O policial, pela
natural autoridade moral que porta, tem o potencial de ser o mais marcante
promotor dos Direitos Humanos, revertendo o quadro de descrédito social e
qualificando-se como um personagem central da democracia. As organizações
não-governamentais que ainda não descobriram a força e a importância do
policial como agente de transformação, devem abrir-se, urgentemente, a isso,
sob pena de, aferradas a velhos paradigmas, perderem o concurso da ação
impactante desse ator social.
Direitos Humanos, cada vez mais, também é coisa de polícia!
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